Há fascínios que não se explicam. Existem e permanecem dentro de nós em silêncio. Talvez se façam sentir de outras formas, misteriosas e intensas, como o feixe de luz que rasga o nevoeiro e nos indica o rumo a terra. Uma terra cujo nome desconhecemos, mas onde sabemos que queremos desembarcar. Eu naveguei 27 anos. Um quarto de século a ignorar o farol. Até que num entardecer espontâneo de Verão, algo me disse que tinha chegado a hora. Eram 19:35 de Agosto, ainda era de dia. Lá não. Era de noite lá dentro. Mas a luz continuou a guiar-me. Cautelosamente, apontei a lanterna para os buracos no assoalho com 100 anos, que se queixou com um ranger que acompanharia todos os meus passos. Finalmente, tinha entrado na Mansão que mais tinha assombrado e fascinado o meu imaginário infantil.

Durante décadas a velha Quinta da Pauliceia despertou curiosidade em Águeda. Desde criança que me lembro dela abandonada. Devia ter uns 10 anos quando a vi pela primeira vez. Logo nesse dia surgiu o desejo de entrar lá dentro, mas o medo não deixava. A sua fachada evocava a típica mansão assombrada dos filmes de terror. E acredito que muitas das histórias assustadoras que se contam sobre ela são inspiradas, precisamente, no seu aspeto, que consegue ser cativante e sombrio ao mesmo tempo e que estimula com facilidade a imaginação de todos os que estão habituados a ver a sua silhueta imponente na baixa da cidade. No entanto, ao longo dos anos também ouvi outras histórias. Algumas com uma explicação lógica. Outras, nem tanto. Este é o meu testemunho de todos esses relatos que povoam o meu imaginário desde pequeno. O meu testemunho de uma casa que já não existe.

 

História da Mansão

A casa deve ter pouco mais de 100 anos. Foi construída por uma família aguedense que emigrou para o Brasil. Foi lá, em São Paulo, que nasceu Neca Carneiro (1907). Ainda criança, regressou a Portugal e à sua terra natal. Terá passado a infância na casa, batizada com o nome de um município de São Paulo: Paulicea. Perdeu vários familiares (todos os irmãos segundo consta) com a gripe pneumónica de 1918. Reagiu à contrariedade e tornou-se um cidadão ilustre da cidade, tendo desempenhado um papel fundamental em diversos movimentos associativos de ordem desportiva, cultural e social: Colaborou na fundação dos Bombeiros (onde foi bombeiro e director), fundou o Recreio Desportivo de Águeda (onde foi jogador, treinador e director), colaborou na fundação do orfeão de Águeda (onde foi músico e director) e criou inúmeros ranchos folclóricos. Casou, mas nunca chegou a ter filhos, pois morreu aos 37 anos. Por motivos que desconheço, a viúva não conseguiu permanecer na casa e saiu de lá. Desde 1944 que não tenho informações sobre os proprietários da casa. Fala-se que o seu abandono se tem perpetuado devido à falta de entendimento de herdeiros, residentes no Brasil. Sei que em meados da década de 70, quando os meus pais vieram para esta cidade, a casa já estava abandonada.

Histórias da Mansão

Em quantas noites, durante um café ou uma cerveja num bar aguedense, o tema da Mansão – chamávamos-lhe “A Mansão” – terá surgido na conversa? Perdi-lhes a conta. Se eu registasse aqui tudo o que já ouvi falar sobre ela durante todos estes anos, o texto seria interminável. Vou apenas mencionar alguns casos que me foram contados em primeira mão por quem passou pela experiência, ou por pessoas que ouviram o relato directamente do(s) interveniente(s).

Um antigo caseiro, que durante um curto período de tempo tomou conta de um anexo da casa, contou a um familiar meu que era comum ouvirem-se imensos ruídos noturnos estranhos. O mais arrepiante era o relinchar de cavalos, que surgia de repente a meio da noite e deixavam-no aterrorizado, pois há décadas que o edifício das cavalariças estava descativado e, consequentemente, não havia cavalos na propriedade.
Esse episódio do relinchar noturno é reincidente. Já ouvi relatos semelhantes mencionado por duas pessoas (que não se conhecem) e que visitaram o local em situações diferentes.

 

Uma conhecida contou-me que sentiu uma carícia no cabelo, quando seguia atrás dos seus amigos (ou seja, supostamente, não tinha ninguém atrás dela), durante uma visita noturna à casa. Embora se tenha assustado, por motivos que não sabe explicar, não interpretou a situação de forma negativa.

Um conhecido, enquanto percorria a zona exterior da casa durante a noite, afirma ter ouvido, distintamente, sons de piano provenientes do interior. Os dois amigos que o acompanhavam não ouviram nada, mas o grupo acabou por não entrar na casa por causa disso.
Um episódio que se correlaciona com o anterior: Um amigo diz que ouviu um som de um tiro que aparentava ser de uma caçadeira durante a madrugada, enquanto explorava os “jardins” da casa. O som pareceu-lhe próximo. Estava acompanhado por outra pessoa, que estava a tirar fotografias de longa-exposição a cerca de 50 metros de distância e não ouviu nada.

 

Uma amiga contou que conhece alguém que visitou a casa antes desta ter sido vandalizada e esventrada de todo o seu recheio. Trouxe com ele uma carta manuscrita que encontrou lá dentro. A partir desse momento, a pessoa terá começado a ter pesadelos recorrentes, a sentir “medo irracional” e com uma intensa sensação de sentir-se observado sempre que estava sozinho em casa. Relacionou tudo isso com a carta e tê-la-á queimado. Não surtiu o efeito desejado, essas sensações não só continuaram, como chegaram a intensificar-se durante algum tempo. Só vários meses depois é que essas sensações se terão desvanecido.

Um amigo tem uma conhecida que não queria visitar a casa de noite, mas acabou por ser convencida a ir por um grupo de 6 ou 7 pessoas. Num dos quartos do andar de cima, afirma que viu um vulto que parecia estar “imóvel” numa extremidade do compartimento. Mais do que medo, ela sentiu um “sofrimento extremo”, que a acompanhou durante toda essa noite.

Uma amiga, enquanto explorava o andar de cima da casa de madrugada, na companhia de mais três pessoas, ouviu a expressão “vai-te embora”. Não sabe explicar se ouviu de forma auditiva ou telepática. “Simplesmente ouvi. Era uma voz de homem”. Não contou a ninguém na altura. “Não sabia se estava sugestionada, se era apenas a minha imaginação”.  Minutos depois, enquanto exploravam um dos quartos, uma telha caiu a poucos centímetros dela. Sentiu um arrepio gelado no corpo e insistiu com o grupo que se fossem imediatamente embora. Só partilhou a sua experiência com eles quando já estavam fora da casa.

 

 

De vez em quando ocorriam algumas intervenções para desbastar a vegetação e terraplanar algumas zonas do terreno, com recurso a uma pequena máquina retroescavadora. Um amigo próximo conhece o operador. Ele contou-lhe que quando se aproximou mais da casa com a máquina, sentiu a dor de cabeça mais intensa da sua vida, sendo que era muito raro padecer disso. “Contam-se pelos dedos de uma mão as vezes que tive uma dor de cabeça em toda a minha vida”, disse-lhe. Acabou por ter de interromper a tarefa e abandonou o local, tendo-se recusado a terminar o trabalho, que foi concluído por um colega, posteriormente.

Um conhecido disse-me que ele e uns amigos, numa noite de Halloween, foram para lá “desenhar pentagramas, beber umas garrafas e fazer evocações”. Depois de o ter repreendido fortemente pelo vandalismo, disse-me que, a determinado momento, um deles terá levado uma lambada “do nada”, quando – alegadamente – estava sozinho num dos cantos da um quarto.
De todos os relatos anteriores, este parece ser o que tem a explicação menos misteriosa…

Alguns relatos mais genéricos e comuns: sentir frio de forma súbita em certos compartimentos da casa, ouvir barulhos estranhos e avistar, a partir do exterior, vultos sombrios nas janelas.

 

Fora da Mansão

Foram anos a ouvir relatos sobre a Mansão. Muitos nitidamente hiperbolizados pelo entusiasmo com que eram contados, mas todos rechearam aquela casa – ironicamente cada vez mais esventrada – de folclore e tradição oral.

Tinha imensa vontade de lá ir, mas nunca materializava essa intenção. O episódio que tinha ocorrido no início da adolescência, enquanto explorava uma outra casa com fama de ser assombrada na cidade (relatado aqui), não era o que me impedia. Estava bem ciente do que tinha corrido mal e de como o evitar. O obstáculo era sempre o mesmo. Não queria ir lá sozinho e fazia questão que fosse um grupo com, pelo menos, três elementos. Mas a aura da casa exercia um efeito que tinha o condão de gerar sempre falta de quórum quando se falava nisso.

Por volta dos 16 anos, cheguei a ter tudo combinado para lá ir durante uma madrugada com um grupo de seis amigos. Eu, o Alexandre, o Diogo, o Tozé, o Maomé e o Fred. Mas um deles (que não vou identificar) amedrontou-se e esse sentimento acabou por contaminar a maioria do grupo. Só um deles partilhava a minha vontade de manter o plano. Mas éramos dois e as regras que eu próprio definira não autorizavam.

 

 

Algum tempo depois fui estudar para outra cidade onde fiquei a viver muitos anos; e o plano ficou eternamente adiado. Mas, mesmo à distância, o fascínio pela Mansão mantinha-se.
Durante um estágio interno no jornal da universidade (UFP), fiz uma reportagem sobre as sensações de déjà vu e resolvi ilustrá-la com uma fotografia da Mansão. A minha editora – a “Gabi”, como carinhosamente lhe chamávamos – quando fez a revisão do texto, aconselhou-me, empolgada, uma obra de BD intitulada “Sasmira”, do autor francês Laurent Vicomte, publicada em 1997 (I – O Apelo). A história, atmosférica e magnificamente ilustrada, envolvia também uma velha mansão abandonada que, a determinada altura, é explorada por um casal que tropeça num fenómeno paranormal.

 

 

Curiosamente, o tomo II só foi publicado 15 anos depois. Nunca o consegui arranjar em português ou inglês, nem o III e o IV, que encerrou a saga em 2018.
A aura da Mansão aguedense era tão afamada que até terá inspirado Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada, autoras da famosa saga “Uma Aventura”. Se tiverem o número 38, “Uma Aventura na Casa Assombrada”, espreitem a imagem da página 211.

 

Dentro da Mansão

“Mais uma rodada e vamos lá!”. As cervejas não paravam de vir para a mesa. Estava de férias em Águeda e tinha dado um salto ao bar de um primo, o Praça Pública. Estavam vários amigos e primos na mesa. A determinada altura, alguém tocou no assunto da Mansão. Um amigo de infância relatou, naquele preciso momento, o episódio da retroescavadora. O tema rapidamente monopolizou a conversa. Era o dia 13 de Agosto, estava a 10 dias de fazer 37 anos. Resolvi dar a mim mesmo uma prenda antecipada. Lancei o desafio à mesa. “E se fossemos lá? Agora mesmo!”. O amigo que tinha puxado o assunto respondeu de imediato: “Nem pensar”. Um outro amigo de infância disse que não estava “adequadamente vestido”. Após todos estes anos, a aura da casa continuava bem refulgente. “Let’s do it!”, anuíram os meus dois primos, Ricardo e Horácio. Estava composto o número mágico.
(a descrição segue agora no presente)

 

 

Numa das extremidades do terreno há uma torre fortificada. Antigamente, este era o ponto de acesso mais comum. Entrava-se por uma janela da torre, desciam-se as suas escadas em espiral e havia um carreiro que levava aos jardins das traseiras da casa. No entanto, essa torre está engolida pela vegetação, ao ponto de quase passar despercebida.
Acabamos por entrar por outra zona, na parte de trás do terreno. À medida que nos aproximamos da casa, sentimos a sua imponência. A sua fachada frontal apalaçada é mais avassaladora, mas a traseira é ainda mais sombria. Sensivelmente a meio, há um vitral que antigamente devia banhar um quarto ou um salão com luz colorida pela manhã. Agora, só existem os ferros, com as suas formas contorcidas e vazias, apenas com escuridão atrás.

 

 

Há uma entrada muito estreita, quase coberta pela vegetação. Assim como todas as janelas, por isso, nesse piso térreo, a escuridão é total. Retiro a lanterna da mochila – que num ápice tinha ido buscar a casa, juntamente com a máquina fotográfica e vestuário apropriado – mas antes de a ligar, surgem-me inúmeras emoções e pensamentos que, paradoxalmente, não deveriam caber nesse instante. Tantas vezes a dizer que havia um dia de vir cá. Tantas frases e verbos imperfeitos, condicionais, futuros. Olho para o botão, sorrio ao pressioná-lo e dou o primeiro passo para dentro da Mansão.

 

 

Em todas as paredes há murais com motivos florais e pinturas lindíssimas de zonas de Águeda, outras do que deduzo serem de Paulicea (Brasil) e até uma da Torre de Belém. Talvez ela (e a sua carga simbólica) confortasse os pensamentos a esta família quando sentiam saudades da pátria, do outro lado do Atlântico.
Infelizmente, estas obras de arte estão cheias de graffitis com mensagens absurdas. Fico a olhar para elas longos minutos, a imaginar a meticulosidade com que foram pintadas, o olhar paternal do artista durante cada pincelada, a alegria, talvez orgulho na sua expressão ao contemplar o resultado final.
Dói vê-las assim. É um exercício árduo, tentar sequer compreender a falta de sensibilidade desse tipo de mentalidade vândala. Quão vãs serão essas mentes, despidas de todo o tipo de empatia, consciência, respeito e apreço. O que estará na origem do puro prazer de cicatrizar o que é belo?

 

 

Neste andar existe o que deduzo ter sido uma cozinha, alguns quartos e compartimentos mais exíguos, eventuais arrumos. A casa, infelizmente, está muito degradada e vandalizada. Está completamente nua por dentro. Não tem móveis, nem quadros, nem livros ou documentos, ou outros objetos que costumavam ser descritos por quem se aventurou aqui há 15 ou 20 anos.

Essa ausência acaba por me despertar a imaginação. Em cada quarto vazio que entro, tento imaginar como estaria decorado, quem lá dormia, que sonhos tinha, que preocupações lhe passavam pela cabeça quando se deitava com os olhos no teto, sumptuosamente ornamentado.
Há uma larga escada de madeira que, andar a andar, percorre verticalmente as costas da casa, como uma coluna vertebral. Vamos subindo devagar, testando a solidez de cada degrau. Estes rangem ainda mais do que o assoalho, mas ainda não cederam às marés do tempo. Durante a subida, descubro que afinal era ela a ser banhada pela luz dos vitrais.

 

 

No primeiro andar, suponho que se localizavam as suites. Quartos enormes, com lambris de pinho trabalhado e portadas da altura dos tetos que se abriam para a vastidão dos campos. No topo de uma das portas, uma tapeçaria bordada em tons de bronze resistiu à delapidação da Mansão. Numa das extremidades, há um quarto mais pequeno, com uma janela abobadada com vista para as palmeiras do jardim. Seria o quarto predestinado à criança que nunca chegou a nascer?
No último andar, muito degradado pela chuva e pelo vento, as vistas são fantásticas. Há um salão com uma lareira, onde imaginei uma ostentosa biblioteca recheada de edições com lombadas de couro, onde se lia e sonhava nos serões antigos.

 

 

Durante toda essa exploração, talvez confortado pela luz natural que, embora escassa ainda estava presente, confesso que me esqueci que estava numa casa com uma reputação tão lúgubre. Foi essa reputação que teceu a teia que me envolveu durante anos e que me arrastou para lá, mas depois de estar lá dentro, prevalece uma vontade de explorar e conhecer cada detalhe e tentar imaginar as histórias, vivências e memórias que, de certa forma, continuam tatuadas no local.

 

Permanecemos na casa até cerca das 23:30. À noite, o cenário transforma-se, a atmosfera da casa é muito mais sombria, as correntes de ar provocam alguns arrepios e a sugestão fala connosco num outro tom. E chegou a levantar um pouco a voz, quando estive num dos andares sozinho, a tentar, em vão, tirar fotografias com o tripé. Mesmo nessa altura, não me senti desconfortável. O entusiasmo monopolizava os sentidos todos.

Se pensei nos fantasmas, foi quando espreitei pela janela da “torre” apalaçada no lado direito da casa, com o seu telhado cónico de telhas verdes, que tanto fascínio me despertava quando via a casa do exterior, dando-lhe um ar encantado e aristocrático.
Estava uma aragem agradável, misturada com silêncio e tranquilidade. Se o espírito de uma das pessoas que construiu e viveu nesta casa, uma das mais ricas, inacessíveis, invejadas casas da cidade, ainda deambulasse por cá, o que sentiria ao testemunhá-la no seu estado presente, tão degradada que até é rejeitada pelos sem-abrigo? Incredulidade? Revolta? Desgosto? Ou será que ainda a conseguia “ver” como era antigamente?

 

 

Surgem mais interrogações. O que pensaria este fantasma de um visitante? Será a presença de quem vem com respeito pela casa, para a conhecer e admirar, sem o mau-intuito de a vandalizar, mais tolerada? Ou serão todos considerados intrusos indesejados?

Na altura ainda não sabia, mas anos mais tarde iria conhecer um caseiro que chegou a viver no andar de baixo da casa, já no seu período de declínio, quase duas décadas depois desta ter permanecido vazia, mas com imenso do seu recheio intacto. Foi uma conversa muito desmistificadora. Sim, muitas vezes ouvia ruídos estranhos à noite, mas relacionava-os com os canos velhos da canalização ou com a madeira antiga que rangia e até estalava. Sim, sentia alguns compartimentos da casa mais frios do que outros, mas era uma casa com 100 anos e com alguns quartos com portadas e janelas enormes. “Na altura não havia vidros duplos”, dizia, sorridente. De resto, nunca viu nada que tenha relacionado com o sobrenatural.

“Mas sei que muita gente de Águeda viu”, afirmou, a rir. Contou-me que um outro caseiro, que também ocupava parte da casa e um anexo, espalhava esses rumores pela povoação, de forma a manter “curiosos e ladrões” afastados da casa. “Veja lá que até houve pessoas que meteram na cabeça que havia passagens subterrâneas nos jardins para tesouros e andaram por aqui a escavar de noite”. Por isso, o caseiro criativo chegou a intensificar a estratégia. Certas noites, envolvia-se com um lençol branco e ia para uma das janelas do andar de cima da casa, deixando o manto fantasmagórico flutuar alguns instantes ao sabor do vento, para que este o levasse até olhares apavorados. A mesma janela onde me encontro neste preciso momento.

 

 

Afastei-me da Paulicea com um sorriso do tamanho do mundo. Não experienciei nada de sobrenatural, mas senti que tinha sido emocionante e, sobretudo, importante lá ir. Mais cedo ou mais tarde, aquela casa iria cair. E quando a poeira dessa queda assentasse e o ar se tornasse respirável, talvez permanecessem pequenas partículas de amargura sugadas a cada inspiração; por nunca lá ter entrado, explorado os seus recantos e saciado a curiosidade e o pequeno sonho de criança que há 25 anos me acompanhava.

Ainda lá voltei nesse mesmo ano, num momento igualmente espontâneo após uma festa de Halloween, às cinco da madrugada, com um grupo de cinco. Eu e o Horácio (repetentes), mais a Teresa, a Barbara e o meu irmão João. Dessa vez, fomos nós as assombrações a deambular por lá, até imortalizar a nossa presença na célebre escadaria.

Em finais de 2015, soube que a Mansão tinha sido demolida. No fim-de-semana seguinte, fui a Águeda e fiquei imenso tempo a contemplar os escombros e o vazio onde sempre existira uma silhueta que povoara o imaginário de tantas gerações daquela cidade.
Saltei o gradeamento, vasculhei os seus destroços, apanhei um pedaço ornamentado de uma coluna. Hoje, está na minha biblioteca, ao lado de uma foto emoldurada da Mansão.
Para me lembrar que os fantasmas que mais nos assombram são os dos sonhos não realizados.

 

Nota: No nosso Facebook foi publicado um álbum com imensas  fotografias da casa que não integraram este artigo. Podem consultá-lo aqui

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