Não sei quanto tempo já passou, mas o sol já não está no mesmo sítio e o olhar continua preso nesta enorme macha de sangue que se alastra pela folha do caderno e que, caprichosamente, contornou uma frase e a deixou legível. Aos meus olhos, aos outros sentidos e, por último, à razão. Quando a ouvi e anotei, pareceu-me apenas uma citação interessante. “Só é possível fazer três coisas numa guerra. Morrer, matar e lucrar”. Agora, após 48 horas com sabor a dez anos, as palavras do Karkariano ganharam outra dimensão.
O que leva a humanidade a este ponto sem retorno?
Chamo-me Viktov Malu. Esta é a história que trouxe de Abdul. A história que trouxe da guerra.

Era madrugada quando finalmente vi a placa à beira da estrada. Os caracteres eram arábicos mas eu estava bem ciente do que significam. Saí do jipe e de imediato estranhei o ar nocturno, que era quente. Trocara o frio de Moscovo pela aragem morna do Médio Oriente, mas não fora a temperatura aprazível a levar-me a Abdul. Como qualquer repórter, sonhava ser enviado para uma guerra. Já efectuara reportagens em prisões, em território de gangues, em palcos urbanos de tiroteios e homicídios, mas nunca numa situação de conflito internacional. Tinha agora uma nas mãos e, sinceramente, não sabia o que esperar. Quem esperava por mim era um pelotão russo da federação Sovodka, que eu ia acompanhar durante o conflito.

O acampamento fica numa pequena clareira à entrada de um bosque. Há uma rede militar a delimitar o perímetro e uma enorme bandeira russa que ondeia com a brisa da noite, sobre o único ponto de acesso. Contemplo-a por alguns instantes e penso nos homens que estou prestes a encontrar. Todos eles estão ali por pura convicção e com um sentido de missão frio e duro como granito. Todos estão prontos para lutar e morrer pela Mãe Rússia. Como receberão um compatriota que não está ali para lutar e sangrar ao seu lado, mas apenas para documentar a sua luta e o seu sangue? Que em vez de uma Kalashnikov, carrega uma lente de 300 milímetros? Um golpe seco desperta-me da súbita introspeção. O oficial que me deu boleia empurrou, vigorosamente contra o meu peito, um capacete militar e um colete à prova de bala com a palavra “PRESS” escrita nas costas. Olhou-me nos olhos, resmungou “boa sorte”, entrou no jipe e arrancou.

– Nasdrovia!

Sturm ergue o copo a pedir um brinde, talvez seja o último de uma noite que já vai longa.

– Nadrovia! – respondem todos.

– Bebe repórter! Não há melhor manta do que esta, quente e transparente.

Ao todo são seis homens que formam esta unidade de operações especiais, a 605. Sturm (tenente), Frix (sargento), Sokol, Ssnke, King e Spet (soldados). A maioria dos nomes são alcunhas que obtiveram na vida militar. Não as explicam. Preferem manter o seu significado implícito e expressam-no apenas com olhares e sorrisos de cumplicidade, entre baforadas no cigarro.

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Dentro de poucas horas, quando o sol surgir, alguém lhes vai tentar tirar a vida. Esta noite pode ser a última para qualquer um deles. Parecem imunes a esse facto e convivem com incrível naturalidade. A guerra parece correr-lhe nas veias. A vodka aquece-lhes as saudades de casa, é o manto quente que de noite substitui os corpos das mulheres que deixaram na velha pátria. Mas talvez seja a guerra, a intimidade que têm com ela, o que os mantém vivos.
– À 605!
– Nasdrovia!

A manhã desperta com orvalho e cheiro a café. O bosque está em silêncio e o sol cresce atrás dos pinheiros e espalha uma luz suave sobre a clareira. Um cenário idílico, contradito pelos carregadores espalhados pela mesa, que indiciam o que está para vir.
Fala-se de armas ao pequeno-almoço. Alguém está com problemas com a sua Aks-74.

– Não dispara, talvez tenha o pistão partido – refere Ssnke.

O tenente Sturm agarra na arma, pousa-a na mesa e desmonta-a em três tempos. Há uma mola fora do sítio, uma peça minúscula, mas suficiente para encravar a arma. Terminada a operação, entrega-a ao seu soldado. “Está pronta para matar americanos!”.

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Dentro de uma hora vamos ser transportados para a base, no coração do conflito, onde Sturm reunirá com o comandante russo e receberá um briefing com a missão que os espera. Ninguém sabe o que é, apenas se sabe que é de extrema importância. Daí, inclusivamente, o meu súbito envio por parte da RT (Russian Today).

Entretanto, o pelotão termina os preparativos. Sincronizam-se as frequências de rádio a utilizar, prepara-se o equipamento táctico. Um rolo de fita preta passa de mão em mão.

– Isto dá jeito para tudo – afirma Spet. – Dá para atenuar luzes que em certos momentos podem ser denunciadoras, prender a presilha das armas, e até minimizar o ruído do tilintar das balas nos coldres e carregadores, apertando-as.

O transporte está atrasado, mas os homens não aproveitam o momento para relaxar. Já estão em modo batalha, focados. Revêem-se estratégias de combate no chão, dispondo pinhas na caruma que usam para estabelecer movimentações, os critérios para visibilidade reduzida e boa visibilidade, as reacções a emboscadas próximas e afastadas, as progressões em coluna por dois em zig-zag e em cunha.

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– É importante manter a cunha – frisa Spet, o mais experiente operador do grupo. – Quando ouvirem tiros é deitar e identificar a origem do fogo. Em cunha todos têm linha de fogo!

Ouve-se o ruído pesado da carrinha de transporte.

– Está na hora!

Frix agarra na sua pesada PKM, uma arma de supressão e caminha pausadamente na direção do veículo. Oito quilos de poder de fogo! Faz lembrar a arma do Schwarzenegger no filme “Predador”. O cinto de balas tilinta ligeiramente com o movimento.

 – Mete fita preta nisso – alguém sugere.

Frix lança um sorriso malandro. – Quando ouvirem isto, já estão fodidos!

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Paramos para abastecimento numa pequena povoação. Está quase tudo destruído, excepto meia dúzia de casas, as bombas de gasolina e o pequeno café em cuja esplanada estou sentado. Dois caixotes de madeira fazem de cadeiras e um líquido escuro e com sabor queimado faz de café. Há uma velha edição do jornal Abdulian Post no chão. Sacudo-lhe a terra e folheio-o. “Aquele  que  foi  considerado  como  o  País  das  Maravilhas  pelo  escritor  Jonh  Wells,  é  hoje,  em  grande  parte  do  seu  território,  um  mar  de  escombros  e  de corpos”. Uma brisa matinal abana as folhas do jornal e o meu cabelo. É uma brisa ligeira, confortante, quase apaziguadora. E no entanto estou numa terra onde a paz é uma mera recordação distante.

Durante a última década levantou-se uma crise social e política na região que a deixou instável. Nos primeiros dias de 2011, um grupo de cinco jovens viajou para Abdul. Alguns desses jovens eram filhos de figuras proeminentes na europa. Sedentos de aventura, os jovens viajaram por várias regiões no interior do país. Foram raptados por um grupo terrorista, que reivindicou o sequestro poucos dias depois. Um dos reféns foi executado. O facto de serem filhos de figuras públicas aumentou o apetite dos média, que explorou o assunto de forma voraz. Grande parte dos países integrantes da OTANA pressionou uma operação de resgate, que Abdul autorizou na primavera de 2011. Após uma complexa operação, foi possível localizar, resgatar e conduzir os reféns até ao ponto de extração.

Após a incursão da OTANA em Abdul, o governo local constata que foram assaltadas instalações governamentais e desviados documentos confidenciais. A OTANA nega qualquer implicação e acusa Abdul de fabricar um pretexto para gerar conflito. Abdul devolve as acusações e acusa a OTANA de ter estado por trás do sequestro para artificialmente conduzir Abdul a uma posição de guerra e ter um pretexto para intervir militarmente e conquistar a região e os seus recursos naturais.

Seguem-se negociações diplomáticas que falham e culminam numa declaração de guerra de Abdul à OTANA. A decisão divide Abdul. Alguns partidos da oposição começam a financiar secretamente movimentos de guerrilha.  As forças leais ao regime formam linhas de defesa em todo o território. É instaurada lei marcial e inicia uma autêntica caça às bruxas. O líder de Abdul persegue a oposição. Alguns são presos, outros executados publicamente.

Há relatórios de presença de armas químicas e de um alegado extermínio de uma aldeia inteira (Khali). A OTANA intensifica operações em Abdul e, em parceria com as guerrilhas locais, tenta capturar o líder de Abdul e levá-lo para julgamento nos tribunais internacionais.

O cerco intensifica-se e o líder de Abdul refugia-se na Federação Sovodka, que decidiu intervir no conflito. Os russos concedem asilo político ao ditador, o que causa mal-estar na comunidade internacional, pois a Federação Sovodka é integrante da OTANA.

A OTANA determina a aplicação de sanções económicas sobre a Federação Sovodka e aumenta a presença de tropas aliadas em território de Abdul.

De seguida, a Federação Sovodka anuncia a coligação com o Exército Nacional de Abdul (ENA) e afirma que não irá permitir qualquer avanço militar no território, pelo que exige a retirada imediata de tropas da OTANA.

Para o efeito, alega ter provas inequívocas de que alguns países membros da OTANA estão a manipular esta última para assumir o controlo de Abdul, país que faz fronteira com o território da federação Sovodka, situação que colocaria em causa a integridade das suas fronteiras.

A OTANA, sentindo-se ameaçada, começa a ponderar autorizar a invasão militar de Abdul. Anunciam ainda ter provas inequívocas da construção de armas de destruição massiva a Norte de Abdul, território controlado pelo Exército Nacional, em coligação com as forças Sovodkas. Perante este novo facto, o Conselho Geral da OTANA agendou uma conferência de imprensa, em vista a anunciar as medidas que iria tomar contra o governo de Abdul e a Federação Sovodka.

Isto é o que aconteceu na conferência de imprensa:

E hoje aqui estamos. Perante 48 horas que ameaçam ser determinantes em todo este conflito.
Há rumores que a coligação russa/abduliana irá lançar uma ogiva nuclear contra países da Otana. Um ataque preventivo.

– É improvável – diz um dos soldados russos. – Acho que vai ser planeado um ataque cirúrgico a uma figura importante das milícias.

No fundo ninguém sabe. Nem o verdadeiro motivo deste conflito, nem que missão os espera dentro de poucas horas. Estes homens só sabem que a Mãe Rússia exigiu a sua presença neste território para a defender.

– E para a defendermos, vamos ao fim do mundo! – afirma Ssnke.

– Davai!  – Gritam todos, sem hesitação.

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Chegamos à base a meio da manhã. Há uma grande movimentação e sente-se a ansiedade no ar. Sturm é chamado à tenda dos oficiais. Regressa poucos minutos depois. Há uma missão preliminar a cumprir antes do briefing da missão principal, que ocorrerá depois, numa reunião com todos os comandantes das subdivisões.

Para já, há relatos de focos de insurreição em Khali e é fundamental ir à aldeia, e impedir que os rebeldes corrompam as forças civis e aliadas na região.
Nesta missão, vamos ser reforçados com seis elementos de uma unidade paraquedista russa (VDV), que se vão juntar a nós num ponto predeterminado a caminho da aldeia.

Decidimos arrancar de imediato e almoçar mais cedo, para poupar tempo e aproveitar a proximidade da base para proteção. Acabamos por assentar numa pequena encosta no bosque, protegida por densos arbustos. Eu tinha levado alguns mantimentos, começo a prepará-los até que sou interrompido por Frix.

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– O que é isso, repórter? Não precisas disso. Espera!

Volta poucos segundos depois e oferece-me uma ração de combate para 24 horas. A caixa tem um pouco de tudo, é estrategicamente organizada para garantir portabilidade e o máximo de calorias para manter os níveis de energia. O meu almoço vai ser exótico. Rancho de Viseu, uma cidade no centro de Portugal. Aqueço a lata num fogareiro e uso um chapéu militar para me proteger da sua superfície quente. Não sou grande apreciador do petisco, mas no mato, naquelas circunstâncias, é um autêntico banquete.

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Partilham-se bebidas, cruzam-se conversas.

– Quem faz o café?

– Atenção que alguém tem de estar de vigia!

– As mulheres do Kosovo são qualquer coisa…

– As nossas russas não lhes ficam atrás.

– Eu tenho duas. Uma está dentro da barriga da minha mulher.

– É rapariga? Estás lixado!

– Eu tenho armas em casa!

Após um almoço curto, mas animado, continuamos por um carreiro de terra batida. Avança-se em silêncio, num passo disciplinado e com as distâncias estratégicas respeitadas.

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– O Objectivo é reduzir a zona de morte – refere Spet. Explica-me que manter uma distância de 10 a 15 metros entre cada elemento reduz a probabilidade de sucesso de uma emboscada inimiga.

Recebemos uma comunicação por rádio sobre o posicionamento dos paraquedistas. Estão a poucos minutos de nós, numa clareia a Oeste. Avistamo-los. São seis. Fragatov, Alexei, Tetsuo, Dani, Barna e Filipov. Há camaradas que se reconhecem.
A breve confraternização é interrompida pela estática do rádio. Há um aviso que uma viatura não identificada pode estar a caminho. O batalhão decide esconder-se na vegetação junto à estrada e aguardar.

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Durante esse período de espera e hesitação, apontei a câmara para Fragatov e lancei-lhe a mais óbvias das questões.

https://www.youtube.com/watch?v=vzONB18a6jY

Passam alguns minutos e a informação não se confirma. Não passa qualquer viatura, pelo que retomamos o passo. Prosseguimos todos juntos em direcção a Khali. A aproximação à aldeia é estratégica. É impossível saber se vamos ser recebidos de forma hostil ou não.

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Sturm posiciona os 605 numa posição de apoio, numa pequena elevação sobranceira sobre a aldeia. Os VDV dão destacados para uma manobra de envolvimento pela esquerda.

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No entanto, o inesperado acontece. Ouvem-se tiros. Os paraquedistas estão a ser alvejados. Estão agora fixados no terreno pela resistência vinda da aldeia. Após uma rápida comunicação rádio, decide-se inverter os papéis. Com apoio do fogo dos paraquedistas, os 605 manobraram sobre a aldeia e empurram a resistência para um vale na retaguarda. Os tiros cruzam acima de nós de todas as direções. Não pode ser apenas um grupo de rebeldes. Uso a teleobjectiva e descubro na distância fardas militares. A OTANA está com os guerrilheiros.

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O enxame de balas continua a sobrevoar a aldeia e há vários elementos feridos no terreno. Rastejo até uma zona mais afastada do bosque, levanto-me, agarro na câmara e gravo um pequeno depoimento.

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Após momentos de fogo intenso, a aldeia é tomada. Reagrupam-se as forças, faz-se a contagem dos feridos, revistam-se todos os civis que encontramos.

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Todos os que lá permaneceram são fiéis ao regime e estão contra a força invasora. Recebem-nos bem, oferecem-nos comida e bebida. Uma jovem tenta vender uma cerveja a Fragatov, que reage de imediato.

– Os russos não compram nada minha querida. Conquistam e limpam tudo.

Devido às muitas necessidades de assistência médica do nosso pelotão, temos de permanecer em Khali algum tempo. Os nossos homens tentam desanuviar, beber um copo e mandar piadas, mas há um nervosismo latente no ar. Eles sabem que este interregno dá tempo e oportunidade ao inimigo para reagrupar e se reorganizar.

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Aproveito para conversar com uma habitante local. Chama-se Alahra, tem 26 anos e estabeleceu-se em Khali após o massacre do início da década, onde perdeu grande parte da família. Regressar à aldeia da sua infância e contribuir para a sua reconstrução é o que lhe dá alento para acordar todos os dias. Responsabiliza a OTANA pela destruição de Khali e renega os rumores que a chacina tenha sido ordenada pelo líder de Abdul. Aproveito para satisfazer uma curiosidade muito peculiar que trouxe na minha bagagem jornalística. Há relatos em Moscovo da presença de Karkarianos nesta zona, povo descendente daquele que travou a batalha de Karkar, em 853 A.C. Alguns afirmam tratar-se apenas de um mito e garantem que eles estão extintos, tal como a cidade milenar de onde provêm. Mas há quem assegure que eles existem, que se movimentam na sombra e dominam negócios obscuros na região, como o tráfico de drogas e armas. São mercenários dos tempos modernos, servem ambos os lados do conflito e tentam tirar o máximo de dividendos da guerra.

– Não, nunca ouvi falar deles – afirma Alahra. Noto que os seus olhos não partilham da mesma convicção das suas palavras.
Estou a pensar na forma mais subtil de insistir no assunto mas ela antecipa-se.
– Desculpe, tenho de ir, tenho trabalho para fazer.

Olho para ela a afastar-se, intrigado. “Tenho de arranjar forma de chegar a um”, penso, cada vez mais convencido da veracidade dos relatos.

O ruído arrastado de um veículo de combate e a súbita movimentação das tropas russas desperta-me desse tema. A OTANA está a lançar uma contra-ofensiva, desta vez apoiada por veículos e armas pesadas. Os russos abrigam-se nas viaturas e atrelados abandonados na aldeia.

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No fundo da estrada há um jipe com uma supressora a disparar intensamente. O ruído ensurdecedor das balas a esbarrar na chapa e no metal não é suficiente para desencorajar a ideia estúpida que acabei de ter. Viro o colete ao contrário, com as palavras PRESS agora bem visíveis no meu peito, tiro o capacete para não ser confundido com um soldado, enrolo um lenço branco à volta da objectiva e corro para a estrada.
“Estou nas mãos da consciência do soldado que está do outro lado”, penso.

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Dois de tiros zunem por cima de mim, mas permaneço na estrada a disparar rajadas de fotos.
Naquele instante, só penso no filme “Salvador”, do Oliver Stone, na cena em que um dos jornalistas vai para o meio de uma avenida que está a ser metralhada por um avião e tenta obter a foto perfeita da aeronave que, sempre a disparar, voa na sua direção. Não correu muito bem para ele. Espero que corra melhor comigo.
Um dos soldados contínua com a arma apontada na minha direção, mas não volta disparar.
Respiro fundo, obtenho mais um par de imagens e dou uma corrida para o local onde os russos estão abrigados.
A ofensiva terrestre que nos tentava flanquear já foi neutralizada. Há um plano para o veiculo. O Frix vai usar a sua supressora para dar cobertura a alguns companheiros que vão tentar flanqueá-lo. “Raz… dvah… tri”. Frix levanta-se, apoia a sua PKM nas traseiras de uma velha carrinha de carga e começa a cuspir fogo. Mantém o gatilho premido durante imenso tempo, enquanto grita palavras indecifráveis. O barulho é indescritível e a arma treme de tanto disparar.

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Olho para o lado direito e vejo os camaradas a subir a encosta em corrida, a posicionar-se e a metralhar o veículo pelo flanco. Os três soldados da OTANA sucumbem inevitavelmente à chuva de balas que os atinge por todos os lados.

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Segurança reposta em Khali, inimigo repelido ou neutralizado e um veículo de combate capturado. Missão mais do que cumprida.
Animados pela vitória, os russos retomam o caminho para a base, curiosos sobre o briefing e a grande missão que os espera.

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– Foda-se! Ele já está lá há mais de uma hora – reclama King.

A reunião prolonga-se e cá fora, os russos começam a ceder à impaciência.

– Só espero que ao menos seja algo de jeito! – Afirma Sokol.

– O que for… será! – diz Tetsuo, após expelir uma nuvem de fumo do seu cigarro.

Alguém arreda a entrada de lona da tenda. Sturm sai cá para fora e caminha na nossa direção.

– Camaradas. Ao meio dia de amanhã, no aeroporto de Abdul, será lançado um míssil contra um país da OTANA.

Os boatos estavam confirmados. A estupefação é quase total.

– Nós, juntamente com uma unidade especial do Exército Nacional de Abdul que nos vai ser apresentada dentro de momentos, somos os responsáveis por assegurar que todas as condições estarão reunidas para o míssil ser lançado e a missão ser bem-sucedida.

– Mas que país é que vais ser atacado?

– É um míssil nuclear?

As perguntas caem em catadupa.

– Para já, o que sabemos e o que nos interessa saber é o que vos acabei de dizer – afirma Sturm, de forma convicta. – E preparem-se, que a primeira missão nesse sentido ocorre dentro de 45 minutos.

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