Categoria: Crónicas de Redacção

O VELHO E O FOGO

A missão era especial. Escrever uma reportagem sobre os 75 anos de um quartel de bombeiros.
Nem coloquei a hipótese de usar uma estrutura convencional, árida, cronológica. O meu oásis seria o de sempre: um ângulo diferente. Parti em busca dele e senti-me finalmente saciado quando descobri um antigo bombeiro com 96 anos, que praticamente acompanhou a vida do quartel. Reuni com ele vários dias e ouvi relatos fascinantes.
Não demorou muito até sentir que esse seria o caminho. Sentei-me na secretária e as palavras foram saindo, uma a uma. A noite prolongou-se até o sol entrar pela janela. Foi nesse momento que constatei que tinha contado a história através das vivências dele.

UMA JORNADA AO PASSADO

Não me lembro se a visitei antes, mas tenho a certeza que foi em 2007 que me apaixonei por ela. Foi nesse Verão, nessa sexta-feira, que decidi que ela não ia ser uma feira. Seria uma viagem. E eu jamais seria um visitante. Ia ser um viajante. E algures durante essa decisão, apaixonei-me. Assim, do dia para a noite. Do presente para o passado. Guardei para sempre o manuscrito onde registei essa primeira viagem. Não guardei as palavras só para mim. Partilhei-as à primeira luz de Domingo. Primeiro com o Norte. Depois com todo o país. Hoje partilho-as contigo.

POR ESSE RIO ACIMA

O calor de verão quase derretia o asfalto do Porto e eu estava sedento de uma reportagem ao ar livre. Falei com os meus editores, enchi uma mochila com tralhas e parti para os confins nortenhos de Portugal. Esperava-me uma expedição em canoa ao longo de quatro dias e quase 100 quilómetros pelas águas azul-esmeralda do desfiladeiro selvagem do Douro Internacional. A aventura transformou-se numa reportagem de quatro capítulos, intitulada “Por esse Rio Acima” e publicada nos primeiros dias de Setembro de 2007. Está agora disponível para ser lida na íntegra. Uma aventura à força dos remos à distância de um clique.

TREVAS DE ESPLENDOR

O Café fica no Porto. Todas as segundas-feiras é possível descer umas escadas de madeira e aceder a uma cave onde se recita e partilha poesia. Já o conhecia e até já o frequentava, quando fui enviado para cobrir a noite do vigésimo aniversário da iniciativa. Estive algumas horas dessa tarde a conversar com o criador dessa rotina que se enraizou no quotidiano cultural da cidade, o poeta Joaquim Castro Caldas. À noite, regressei à cave para o ver em ação. Fui desafiado pela minha editora a escrever um texto diferente, com alguma ambivalência, que fosse poético sem deixar de ser jornalístico. Gostei do desafio, embora soubesse que ele era impossível. Pedi para o escrever em casa, durante a noite. Comprei uma garrafa de vinho e tranquei-me na sala com os meus apontamentos e um teclado. Quando a luz entrou pelas janelas, estava escrito e embora tivesse consciência que tinha falhado, sentia-me inebriado com a tentativa. Cinco meses depois, o poeta morreu. Este foi o meu testemunho dessa noite.

CAMINHANDO SOBRE AS ÁGUAS | O TRILHAR DA AUDÁCIA

A visibilidade era quase nula, mas quando Pedro Pacheco limpou a neve do visor do altímetro, este marcava 8300 metros. Era a maior altitude alcançada por um português no monte Everest. Estava a apenas 550 metros do topo do mundo, mas quando a tempestade se intensificou, foi confrontado como o eterno dilema da alta montanha. Prosseguir ou abortar. Avaliou e resolveu seguir o conselho da sua intuição que, calejada pela experiência, lhe garantiu imunidade à “febre do cume”, que já encaminhou tantos alpinistas para a morte.
A história tende a apenas emoldurar os primeiros a alcançar o topo – e ele foi alcançado cinco anos depois por um português (João Garcia) – mas por trás da moldura estão aqueles que ousaram avançar primeiro e trilhar. Pedro Pacheco é um deles e contou-me a sua história numa reportagem publicada em 2007 intitulada “O Trilhar da Audácia”. Não ficámos pela conversa. Levou-me também a atravessar desfiladeiros, explorar grutas subaquáticas e a descer cascatas em rapel, numa atividade que ele introduziu em Portugal, o Canyoning. Também essa aventura se transformou em reportagem: “Caminhando Sobre as Águas”.
Duas reportagens que hoje recordo, na expectativa que a brisa de aventura que ainda carregam vos despenteie sensorialmente.

O VERDADEIRO ECTOPLASMA DO FANTASPORTO

Há uns anos entrei no balneário do Fantasporto. Queria conhecer a famosa mística que o acompanha desde a década de 80. A equipa técnica abriu o caderno e contou-me toda a sua história, as suas curiosidades e particularidades. Os adeptos da claque levaram-me para o meio deles e partilharam a devoção, as experiências e rituais por trás de um quarto de século de fidelidade ao festival.

COLECTÂNEA TEXTOS FANTASPORTO 2008

15 dias e 15 noites enfiado num teatro assombrado. Desafiaram-me e até me pagaram para lá ir. Fui e trouxe algumas histórias para contar: Antevisão de todos os filmes em cartaz; crítica e comentários às principais surpresas do festival; a história por trás de uma das curtas portuguesas em competição; prémios e vencedores. Relatos, imagens e algumas sugestões após duas semanas de assombração.

AS BRUXAS E A CIDADE

Há uns anos decidi fazer um artigo de fundo sobre o Halloween. Falei com historiadores, antropólogos, comerciantes, membros da comunidade americana do Porto, donos de videoclubes, empresários da noite, tipos mascarados na rua e até com um individuo que reservou a noite para estabelecer contacto com fantasmas. Apesar de não ter ouvido as almas penadas, fiquei com a agradável sensação que não ficou nada por dizer.

UM BAIRRO À MARGEM DA LEI

Fiz várias reportagens nos bairros problemáticos do Porto. Bastou a primeira para constatar que os jornalistas eram seres banidos desses locais. Os meus colegas contavam-me histórias de agressões, apedrejamentos aos carros de reportagem, fotojornalistas agredidos e máquinas fotográficas destruídas. Não me senti desencorajado, apenas tomei precauções estratégicas. Passou a ser hábito não fazer a barba alguns dias antes das reportagens serem agendadas, envergava boné e roupa mais desportiva, deixava o carro do jornal a vários quarteirões do bairro ou ia de autocarro para lá. Esses pequenos truques camaleónicos resultaram (conseguir envergar a pele de um camaleão é uma aptidão que considero fundamental para qualquer verdadeiro jornalista) e não só consegui deambular livremente pelo bairro como consegui obter a confiança de algumas fontes locais. No entanto, escolhi este texto que nem é tão direcionado ao quotidiano do bairro, mas à contenda política em volta dele. Quando o escrevi, percebi que resolver o problema da criminalidade no bairro mais violento da cidade nunca foi uma prioridade. Havia meios mas não havia intenção. Ele tinha de continuar violento, pois só assim se justificaria a medida que viria a ser adoptada mais tarde.

A GUARDIÃ DOS MARES

Descobri-a recortada no azul do mar e do céu de Vila do Conde. Soube que ela tinha resistido às décadas, ao vento e ao temperamento do mar. Que um dia albergara homens que lá dormiam em velhos beliches de madeira, sempre prontos para despertar e, num ápice, enfrentar o arreliado oceano noctívago em busca dos náufragos. Não descansei enquanto não lá entrasse e lhe assaltasse as memórias.

GRINDHOUSE – A IGNÓBIL USURPAÇÃO

Fiquei fascinado quando soube do projeto artístico de Tarantino e Rodriguez. Entusiasmando, falei sobre o assunto a alguns amigos nessa mesma noite. Imaginava-me a combinar sessões temáticas no cinema, recheadas de pipocas, bebidas alcoólicas escondidas, filmes genialmente maus e boa disposição. Algumas semanas depois, o plano foi por água abaixo, empurrado pelas mãos avarentas dos irmãos Weinstein. Fiquei irado, tive de exorcizar a ira e assim nasceu este texto.