O EMBRULHO
O vento levantava alguma poeira na estrada de terra que a pequena Jules tentava, em vão, afastar dos seus sapatos brancos. Caminhava de braço dado com a mãe, em direção ao centro da vila. Iam às compras e, mais uma vez, estranhou ao ver a mãe ignorar a drogaria principal da povoação e a seguir numa direção que já se lhe tinha tornado familiar.
Após algumas batidas na porta de uma velha casa, um senhor idoso de barbas grisalhas saudou-as.
– Bom dia senhor Doug, quero comprar um daqueles cântaros que o senhor faz tão bem – disse a mãe.
– Mas mãe… – Um olhar doce mas convicto da progenitora impediu Jules de prosseguir.
Enquanto o velho Doug foi buscar o cântaro, a mãe levou delicadamente o indicador à boca e sorriu à filha.
– Quanto é, senhor Doug?
– Seis dólares e meio, senhora.
A mãe levou a mão à carteira e retirou duas notas de cinco dólares.
– Hummm, parece que não tenho trocado; fica assim senhor Doug, afinal de contas o seu trabalho é tão magnífico que, mesmo assim, ainda estou convencida que fico a ganhar.
Doug agradece com um sorriso tímido e um gesto cordial com a cabeça e volta a entrar em casa.
A mãe dá meia volta e sorri, com o olhar debruçado no chão enquanto retoma a caminhada de regresso.
Quando já se afastaram bastante da casa, Jules não conteve mais as suas perguntas.
Mãe não consigo perceber. Tu já tens quatro ou cinco cântaros lá em casa. Para que precisas de comprar mais? Para além disso, eles são mais baratos na drogaria da vila.
Eu sei que tenho mais cântaros, Jules. E sei que não preciso deles – faz uma ligeira pausa e prossegue – e também sei que paguei mais por eles ao vir comprá-los aqui.
– Mas então porquê? Não faz sentido nenhum – disse Jules.
– É caridade embrulhada em dignidade, minha filha.
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